Após alguns ensaios - este espaço renasceu! Esta será a noxa nova casa migox e colegas... sejam Bem-Vindos

Saturday, February 23

Iluminura

Trago da cozinha uma laranja - não é isso que me traz aqui. A coisa da laranja também seria um bom motivo, mas o meu ser anseia acolher algo diferente. Sinto o meu corpo inclinado sobre um rio parado, consigo sentir cada músculo e também nenhum, consigo me projectar numa imensidão de sítios, perfeitos ou imperfeitos - sempre com essa capacidade sobre-humana de me levar ao rastejo – já não consigo aguentar mais sensações! Chega! Amo tudo, sou corruptível. Quero me unir à natureza.

Habituaram-me a não andar no solo, na terra, no barro no qual agora deslizo. Caio de novo. O sol é forte, a terra é já árida. Sem andar é ela que me leva para junto de um ancestral chorão – não te abraço irmão, mas projecto-me em ti, desejo como mais ninguém ser teu, tronco, ter calma sabedoria e poder ver passar milénios com o olhar calmo de quem não precisa sentir a música de uma palavra… Só o silêncio da natureza inocente que flui ao sabor de um desígnio mais alto sem o contestar.
E agora vim para o teu seio escrever, as tuas folhas cobrem-me. Eu sou o teu filho pródigo. Era-o. Tu afastas-te, dás lugar a um longo rio, mas que tem inicio, na tua Mãe – mulher de seus trezentos anos que chora num pranto grave e melódico – o meu sentir, a terra e os seus batimentos. Afundo-me. Julgo sentir a água correr por cima de mim. Ah! Sabedoria a minha, se alguém a pudesse testemunhar – paz eterna, angústia tremenda: poder ver tudo isto silenciado perante o Homem.

Aparece o Homem. Já não é natureza o meu ser, o meu ser quer ser natureza. Continua o Homem. Já não sou árvore. Mas minhas pernas continuam enterradas na terra, consigo sentir as minhas raízes que espalharem-se por alguns metros. Continua o Homem – parte II. Porque não poderei ser natureza? Volto constrangido para o meu quarto, deitando-me novamente sobre este cubículo sem tecto. Posso sentir ainda as minhas raízes sob os lençóis. O Homem torna-se grave. Sou obrigado a justificar os meus sentimentos. Será esta uma tentativa de encontro para comigo? Não poderei ser tudo somente e nada absolutamente? Espelho-me no céu. Se esta é uma tentativa de me conhecer, porque escrevo também?
Sou Homem. Quero amar ninguém, quero que ninguém me ame, só me quero amar a mim, eu mesmo. A beleza perde-se, o olhar agora é profundo. Disse-me um Eu para um outro Eu que lançaram duma estrela, dessas onde se vão escrevendo os actos heróicos de uma vida encomendados pelo purgatório, que o sujeito responsável pelos meus Eus deixou cair o rolo e que esse deu uma volta e meia ao Universo. Já não sou o que era há dois segundo, evoluí para no minuto depois regredir. Ahh que gozo tenho eu de Fernando Pessoa, Ser esmagado pela brevidade e fugacidade das suas sensações – tão curtas e pesadas como as minhas, mas sempre tão preocupadas com a chegada desse Homem.

Já disse, não escrevo para ser adorado, mas só para me amar, para tornar puro o que em mim reside de putrefacção – eu tão completamente. Não! Não por minha causa. Levem-me a amar um arbusto. Só por minha culpa – do Homem, ser feio, feito de carne. Deus, castigou-te Homem – deu-te sabedoria e discernimento, e no mesmo momento podes-te compreender que só o finito te espera. Ele poderia ter deixado cair uma corda sobre a Terra. Assim, aqueles que como Eu querem a Ti chegar, por ela trepariam sonhando com o perpétuo e caminhariam até não haver amanhã – tornar-se-iam espectros e, cansados de toda a caminhada infindável, caíriam verticalmente em direcção ao solo. Porque nunca te dês-te a conhecer – uma busca não te revelaria. Basta a certeza.

Vejo-me agora a seguir o meu caminho. Uma mochila laranja, uma colecção de vivências e sítios, afastados e sobrepostos – minh'África, minh'Ásia. Como me pude ter afastado de vós por tão longo tempo. Já não me conheço. Ocidentalizaram-me, tenho até receio de rever os meus princípios, uma vergonha insondável.

Mas agora voltei para os seus braços minha Mãe, porque eu comporto toda a vossa amargura, comporto toda a vossa nostalgia, comporto todo o vosso culto e temor. Nunca a mim me haveis sido estranha, conheço os teus seios, sem onde me posso saciar… também de vós trago esse animal.

Já cansei de tanto colorir as minhas paredes – e como não tenho tecto no meu quarto também não tenho já cor. Sou um cidadão do mundo. Já não posso fingir, não tenho mais onde rabiscar.

Também já ganhei a Saudade daqueles que permanecem na minha terra, doem-me as caravelas que já partiram há séculos e que nunca mais voltam – já me cansei de olhar o mar. Não voltam! Mas a vossa grave melancolia atormenta-me a cada segundo. Um destes dias, evadir-me-ei do Homem, e ascenderei até encontrar o tecto do universo – então aí tornar-me-ei árvore, crescer-me-ão raízes e no final dos tempos comportarei todo o Mundo. E então serei cuspido pelo caule e adormecerei em seu regaço com uma certeza maior.

1 Comments:

Blogger Anju said...

Breathtaking and arresting!

2:55 AM, May 02, 2010

 

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