Após alguns ensaios - este espaço renasceu! Esta será a noxa nova casa migox e colegas... sejam Bem-Vindos

Sunday, December 11

olhar sobre o inexistente

- não entre dessa forma senhor, peço-lhe!
O nepalês não deu ouvidos ao guardião e entrou no templo. Sentia-se incrédulo - toda a sua raiva acumulava-se num só ponto que se intensificava com os olhares cheios de ternura que se espelhavam nos budas de ouro - nem os seus fiéis companheiros se pareciam mostrar complacentes neste momento. Parou, tinha chegado, olhou em volta, tudo o que conseguiu vislumbrar foram sombras de tochas dançando por cima das tapeçarias persas.
Empurrou a porta pesada...

o Lama, de costas, elevava os braços e, por momentos, o nepalês jurou ver ali à sua frente um leopardo alongando suas costas, sentiu-se invadido por uma calma qualquer que o próprio não conseguia manipular, todo o seu sangue que pulsava bem forte antes de ali entrar, depressa se dispersava por todas as partes do seu corpo, desejou não estar ali naquele momento... afinal tudo o que arquitectara na sua mente não eram mais que sombras de tochas, o lugar não era o tão desejado palácio, mas uma modesta e pobre divisão que continha apenas um baú, reparou... o tecto da sala eram as próprias estrelas - tudo ali parecia tão perfeito, que se sentiu tentado a sair ajoelhar-se aos pés do seu Guatama e confessar tal atrevimento. Ainda de costas, o Lama começou:

- os sonhos são como estas estrelas - virou-se, inspirou a brisa gélida que soprava dos Himalaias, e o nepalês percebeu que o seu olhar carregava a sabedoria e o equílibrio de um supra-humano - olhamos achamo-nos donos delas, queremos as tocar, mas são elas que nos têm. Em crianças construímos e destruimos, mas não deixamos de sonhar, a rede que usavamos para as prender já não serve, porque está rota? Não. Nós é que já não a sabemos utilizar, tornamo-nos rudes, não percebemos que mal é que lhes fizémos e elas já não se deixam apanhar - sentou-se, convidou o nepalês a sentar-se também, mas por embaraço este recusou três vezes como acto de boa educação acabando por se sentar, continuou

- olha para os Ghat - apontou para os montes brancos que se erguiam a umas centenas de quilómetros do templo - há mais para além da vida, inspira esta brisa, sentes? deita-te... - passou-lhe a mão sobre os cabelos - não precisas de temer o mundo, nem muito menos aliar-te a ele pelas mesmas injustiças que ele te cometeu, há mais...há um mundo de sensações onde te podes espriguiçar ao sol e sorrir o tempo inteiro sem que sejas apelidado de tolo, há um mundo onde podes rastejar, farejar a Terra e até comê-la se te apetecer, e mais...

- que mais poderá haver? - perguntou timidamente ao seu mestre, sabia dentro de si, que tivera, desde logo, sido inútil a revolta contra os seus deuses, não são eles que nos vão embalar, a solução está em nós, nós é que podemos tornar a vida uma pintura nossa, só, só nossa, com as cores que desejarmos

- o teu mundo, o mundo que não existe nesta Terra, mas que poderá existir algures a biliões de cem anos luz daqui, numa daquelas estrelas, e nesse mundo poderás finalmente sentir-te em coesão com a natureza e as coisas, foi esse o caminho que nos legou Buda - vislumbrou um sorriso no Nepalês, que por momentos aparentou ter a idade de uma criança - mas para que possas navegar nesse teu mundo terás que primeiro torná-lo acessível a todas as outras pessoas - o Lama percebeu que o Nepalês não tinha compreendido esta última mensagem, mas ficou contente por saber que o tinha feito voltar a sonhar, a própria vida se encarregaria de lhe mostrar que esse mundo é o da satisfação por poder ajudar as pessoas a fazer a sua rede, para apanharem bocados de queijo desta lua partida ou mesmo da mais longíqua estrela, mas nunca deixando de sonhar...

O Nepalês abraçou o musculoso Lama e caminhou em direcção ao baú, nele deixou a sua camisa manchada de sangue e todo o dinheiro que acumulara ao longo da sua vida, sentiu-se mais novo, o frio já não o incomodava, olhou o Lama, sorriu, saiu do templo, da sua aldeia, andou e andou, não importavam os seus pés ou o ar gélido que lhe prendia os musculos, ele carregava em si uma nova força... olhou o céu mais uma vez e desfez-se em tanto brilho